Sumário do Projeto de Pesquisa

Simulações Numéricas de Larga Escala em
Teorias de Gauge na Rede e Mecânica Estatística


Simulações numéricas vêm ocupando uma posição de crescente destaque em Física nos últimos anos. Sua aplicação é especialmente importante em problemas de múltipla escala, e em particular em fenômenos críticos, como modelos de mecânica estatística na vizinhança de uma transição de fase, ou teorias de campo na rede ao tomar-se o limite do contínuo. Ademais, a possibilidade do emprego de simulações numéricas é crucial no caso da cromodinâmica quântica (QCD), a teoria de gauge que descreve as interações fortes entre hádrons (como prótons e nêutrons) através de um modelo de quarks e glúons. De fato, propriedades fundamentais desta teoria - liberdade assintótica e confinamento - determinam que a constante de acoplamento forte torne-se desprezível somente no limite de pequenas distâncias (ou limite ultravioleta, correspondendo a altas energias ou momentos). Consequentemente, fenômenos de baixa energia - como o confinamento de quarks, o espectro de massa dos hádrons e a transição de desconfinamento a temperatura finita - são inacessíveis a cálculos por teoria de perturbação (que se baseia em uma expansão a acoplamentos fracos), devendo ser estudados em maneira não-perturbativa. Este estudo é possível na formulação de rede da teoria, que equivale a um modelo de mecânica estatística clássica, através de simulações numéricas de Monte Carlo. Tais simulações são consideravelmente mais complexas no caso de teorias de gauge do que em mecânica estatística, devido à complexidade da interação e ao maior número de graus de liberdade. Apesar disso, estudos numéricos de QCD na rede têm fornecido importantes contribuições recentemente, produzindo cálculos acurados da constante de acoplamento forte e do espectro de massa hadrônico, e apresentando a única evidência conhecida para a transição de desconfinamento de quarks a temperatura finita. Acreditamos portanto ser de grande importância o estabelecimento de pesquisadores desta área no Brasil.

Um problema fundamental para a descrição das propriedades de confinamento e liberdade assintótica é a determinação do comportamento da constante de acoplamento ``running'' $\alpha_s(p)$s(p) em todo o intervalo que vai da região infra-vermelha (não perturbativa) à ultra-violeta (perturbativa). Este estudo pode ser efetuado também no caso da teoria de gauge pura - ou seja, desprezando-se efeitos dinâmicos dos quarks - o que reduz enormemente os custos computacionais em relação ao caso da QCD completa. Além disso, podem-se considerar problemas semelhantes para modelos de mecânica estatística, os modelos sigma não-lineares (e em particular os modelos n-vetoriais) em duas dimensões. Tais estudos são de grande importância para futuras extensões à QCD completa, já que simulações deste tipo para o caso completo ainda envolvem custos proibitivos, mesmo utilizando-se potentes computadores paralelos. Em nosso projeto, propomos um novo método de estudo da constante de acoplamento runnning, baseado no cálculo de propagadores de glúons e de ghosts. Consideramos duas definições para a constante $\alpha_s$s, respectivamente para os gauges de Landau e de Coulomb. (Ambas definições são invariantes por grupo de renormalização.) Em maneira semelhante ao método baseado na função de three-gluon vertex, nosso método oferece a possibilidade de obtenção de diversos valores para $\alpha_s$s através de uma única simulação, e dispensa o uso de teoria de perturbação na rede para a conexão dos resultados com o esquema $\overline{\mbox{MS}}$, usado na análise de dados experimentais de alta energia. Uma vantagem significativa de nosso método, porém, é a simplicidade das definições empregadas, o que possibilitará a obtenção de dados de alta qualidade com investimento computacional consideravelmente menor. Esperamos portanto que o método se torne a opção preferencial para a extensão ao caso com quarks dinâmicos. Pretendemos considerar o caso SU(2), reduzindo assim adicionalmente os custos computacionais, de maneira a poder efetuar simulações de larga escala em computadores de pequeno porte (PCs).

O estudo descrito acima envolve a consideração cuidadosa de certos aspectos, como a quebra de simetria rotacional no limite de grandes momentos, e problemas relacionados ao limite de pequenos momentos (região infra-vermelha). Entre estes estão os efeitos de volume finito, a extrapolação ao limite do contínuo, e os efeitos de cópias de Gribov. Presentes na rede assim como no contínuo, cópias de Gribov correspondem a configurações diferentes satisfazendo uma determinada condição de gauge e podendo portanto introduzir ambigüidades nos resultados, o que ocorre especialmente a momentos pequenos, e em maneira mais pronunciada para os propagadores de ghosts. A solução para este problema é a completa determinação da condição de gauge, escolhendo-se entre as diversas cópias de Gribov aquela que corresponda ao mínimo absoluto de um funcional de energia. A busca deste mínimo na formulação de rede equivale a um problema de vidros de spin, onde a presença de muitos mínimos locais da energia dificulta grandemente a determinação do mínimo absoluto. Os métodos para procura do mínimo absoluto em teorias de gauge são em princípio os mesmos utilizados para vidros de spin em mecânica estatística, e pretendemos efetuar um estudo detalhado de vários deles, aplicando-os ao nosso problema. (Espera-se que tais aplicações sejam de certa maneira mais simples que para vidros de spin, visto que para as teorias de gauge os níveis de desordem e frustração das interações são menores.) Entre os métodos a serem estudados citamos os algoritmos genéticos, em que configurações sucessivas são geradas utilizando-se a cada passo informação seletiva sobre a configuração precedente, em particular sobre a localização de regiões (chamadas defeitos) onde a função de energia local tenha valor muito elevado. Propriedades interessantes destes defeitos, como sua percolação, podem servir para sinalizar diferenças entre as fases confinada e desconfinada.

Finalmente, planejamos um estudo de teorias de gauge na rede a temperatura finita. Investigaremos a transição de desconfinamento no caso da QCD completa com dois sabores de quarks dinâmicos, em colaboração com o grupo de pesquisa da Universidade de Bielefeld na Alemanha. Este estudo será complementado com simulações do modelo de spin O(4) (ou modelo 4-vetorial) em três dimensões. Já que se prevê que os dois modelos pertençam a uma mesma classe de universalidade, o conhecimento de funções de scaling universais a partir do modelo de mecânica estatística pode melhorar a compreensão do caso da QCD, para o qual as simulações são consideravelmente mais complicadas. Utilizaremos funções de finite-size scaling para esta comparação. Investigaremos também propriedades da fase desconfinada a altas temperaturas, caracterizada pela geração de massas de screening do campo gluônico. Estas massas podem ser calculadas a partir do comportamento do propagador de glúons para grandes separações. Em particular, pretendemos considerar o caso de gauge puro, e efetuar uma extrapolação dos resultados ao limite do contínuo, o que não foi ainda estudado em detalhe, e que envolve os mesmos métodos que empregaremos em nosso estudo da constante de acoplamento running a temperatura zero.

2001-10-25